terça-feira, 17 de abril de 2012

Aquele primeiro dia

Ontem estive colaborando em um curso rápido para treinadores, professores e simpatizantes de nossa modalidade no Esporte Clube Banespa. Os participantes; duas moças, uma senhora, dois senhores, um dirigente consagrado (azeitona), um treinador consagrado (Xepa, acho que com x....rsrsrs ) e uns 40 rapazes e é para eles que desejo dedicar de todo coração este breve comentário.
Quanto mais uma pessoa trabalha em algo que gosta, mais experiência adquire e lógicamente, mais conhecimento. As pessoas jovens buscam os cursos por diferentes e vários motivos, entre eles o de ser reconhecido e valorizado em sua profissão.
Durante a vida recebemos propostas em nosso trabalho ou pedidos de todos os tipos. Algumas, com reconhecimento profissional ( econômico ) razoáveis ou bem razoáveis, outras, de baixo retorno e até mesmo aquelas de nenhum atrativo monetário, ou seja, uma ajuda voluntária.
Permita-me contar-lhe algo que ocorreu comigo no ano de 90 ou 91, já me trai a memória o ano exato, em minha visita a uma Rússia recém saída da economia estatal ( comunismo ) para a economia de mercado ( capitalismo ). A época era terrível, pois as notícias eram que a miséria aparecia por todas as partes. O estado Russo falido, já não podia pagar os salários às pessoas, pois todos recebiam seus salários do estado. Causas ??? Muitas. Internas e externas. Queria há muito tempo visitar aquele país, todavia, as dificuldades financeiras por parte da federação russa de futebol de salão, eram nesse momento, no mínimo, graves. Para mim, no entanto, esse sonho era superior a qualquer esforço pessoal e a não ser que eles me tivessem dito claramente um não, viajaria. Alegavam eles, com toda razão, não poder pagar a passagem que era o empecilho maior e de não estar em condições de receber confortavelmente em um hotel, uma pessoa, disseram eles, respeitada pelo seu trajeto esportivo em tantos países. Bom, vivia eu na Espanha e havia ofertas nas passagens aéreas. Podia pagar o meu ticket, e quanto a minha estadia, expus-lhes que seria dentro do que eles podiam oferecer. Naquele momento, para que tenham idéia, um dólar americano, trocado a 5 mil rublos podia prover em alimentos uma família de 4 pessoas por uma semana. Eles então animaram-se e...enfim....................aconteceu rsrsrs.

Um rapaz em um balcão acenava em minha direção para encaminhar-me a ele. O jovem seriíssimo a princípio, olhou o meu passaporte verde atentamente e surpreendentemente urrou em minha direção, ..... BRASÍLIA......PELÉ. Esse gesto de admiração inesperado do jovem rapaz, de nem dezoito anos em uniforme militar, me provocou um certo sorriso de gratidão. Era eu, segundo disse-me, o primeiro brasileiro que ele via e não tinha pressa nenhuma em deixar-me ir. Bombardeou-me então por uns quinze minutos. A primeira pergunta lembro-me bem. You are not black ??....... ( Você não é negro?? )..sir?? .....Futebol, mulheres e praias foram seus assuntos preferidos (e os únicos) durante essa , digamos, breve entrevista. A respeito das mulheres brasileiras ..dizia...CARNAVAL..apontando para sua bunda e realizando movimentos com as mãos no peito, fazia referencia aos seios, segundo ele, abundantes, das mulheres tupiniquins rsrsrsrs Imaginava ele que elas vestiam pouca roupa, ou nenhuma o ano inteiro.
Finalmente, após um souvenir que lhe dei, uma camiseta de futebol que o deixou deveras feliz, consegui finalmente passar por ele e entrar por corredores escuros, (os russos adoram a pouca luz e as velas ). Abrindo a porta de saída, vi aquela multidão de gente grudada, amontoada. A neve espessa caindo fora. Voltando meu olhar, vi o baixinho Boris (presidente da federação ), saltando como um canguru para que o visse. Aliviado, pensei então comigo. Com a benção de Deus estou aqui realmente, feliz da vida., super disposto a transformar um sonho de longa data, em realidade.


Minha corrida deteve-se aí, apenas andei um pouco e retornei. Regressei a casa abalado com o que havia visto. Nada comentei com o Boris sobre aquilo. Saímos e levou-me a federação apresentando-me o jovem treinador do Spartak futebol de salão. De hoje em diante , dormiria em sua casa, disse o presidente, um bom rapaz que levou-me ao treino de sua equipe imediatamente.
Todos os ginásios tinham o aquecimento ligados na metade de sua capacidade, mas os chuveiros, nem pensar, água fria. Ao terminar o agradável treino, os rapazes gostaram bastante, me meti como todos no chuveiro de água fria. O Sergey, treinador, perguntou-me se queria tomar banho em casa. Respondi que não e enfrentei com brava valentia e oculta covardia aquela água extremamente gelada. No percurso de regresso ao invés de pegar um carro alugado, como fizemos na ida, viemos por metrô e trem (não havia taxis nessa época em Moscou apenas motoristas que cobravam um valor para levar as pessoas em seu trajeto). Dentro do metrô,  as pessoas se amontoavam umas as outras, observei com atenção vários grupinhos de camelôs, e em um deles vi a curiosidade com quem queria ver os tabletes de chicletes (a maioria não tinha dinheiro pra comprar um), olhos arregalados vendo algo que nunca tinham visto antes. As escadas rolantes que ligam a estação vinham a alta velocidade para recolher os passageiros e eram longas, com mais de cem metros de descida ou subida..entrávamos fundo na profundeza do subsolo



Voltando aos meus alunos do curso de ontem, quando receberem uma proposta com poucos atrativos econômicos, ou até nenhum e aceitarem o desafio....só posso lhes dizer uma coisa....jamais se arrependerão.....jamais.


O Sergey nada me dizia e com mirada tristemente conformada observava aquela cena que ele via diariamente Chegamos ao seu prédio e apto e seu filho e bonita esposa me receberam como um irmão. Comemos vagarosamente o nosso alimento mas realmente não pude brindar naquela noite. Tinha sido um dia em contato com uma realidade chocante. Apesar disso, ao pousar antes de dormir a minha cabeça no travesseiro, agradeci a Deus por estar ali e levar um grão de esperança e carinho àquela gente tão sofrida.
As pessoas olhavam admiradas para minha calça jeans, sentia em seus semblantes um ar de muita curiosidade. Na saída do metrô pegamos o trem, já um pouco mais cômodos. Ao baixar do trem, uma longa fila, enorme, de senhoras idosas baixas o frio e a neve intensa carregando eletro domésticos para trocarem por comida. Batatas, lingüiça, carne, etc... Imagem esta que jamais se apagará em minha vida. As pessoas nesse frio se não se alimentarem simplesmente morrem em pouco tempo. Senhoras de setenta, oitenta anos, cujos olhos refletiam a total desesperança. Meu coração estremece cada vez que comento o que vi nesse momento.
O dia seguinte, jamais poderei esquecer, apesar de esperar ver coisas tristes por todo o que se lia e ouvia. Saí ao parque, bem abrigado a correr. Que delicioso que é correr na neve e jogar futebol então ( provei outro dia ) na neve, nem imaginem o agradável que é. Estava feliz até o momento que vi um corpo estirado no chão, olhei atônito e vi ainda outro corpo mais sendo recolhido por uns policiais. Gente que não sabia o que fazer depois que o governo parou de pagá-los, estavam desiludidos, desesperançados, idosos que não queriam ser um peso a seus familiares.
Um abraço feliz e o Boris, que falava um pouco de tudo, inglês, castellano, frances, italiano, pediu-me para que o seguisse dizendo assim, vamos pegar o carro e você vai dormir em minha casa. Pela larga avenida, observei uma única cor, cinza e prédios muito parecidos ou iguais uns aos outros. O Lada do Boris também era o carro da grande maioria dos russos. Quando chegamos ao seu prédio, após entrar em um ascensor que balançava e rangia por todos os lados, bem antigo, adentramos em seu super aquecido apartamento. Todos os aptos nesse país têm um hall de entrada para guardar todas as roupas que vamos retirando do corpo, incluindo o boné grosso, que é fundamental para não congelar as orelhas. Aliás, logo ao chegar ao aeroporto, deu-me esse gorro e obrigou-me a metê-lo antes de sair a rua. Sua esposa e sua cachorrinha me recepcionaram muito carinhosamente e logo após fomos jantar. Procurei com atenção observar os modos e costumes da casa russa, como por exemplo, brindar várias vezes com vodka pura. Logicamente ele botava bem poquititico, como dizia ele, em meu cálice. O brinde para eles  uma forma de dar boas vindas ao visitante e dizer Nasdarovia (saúde); é como dizer estamos alegres que você esta aqui. Foram muitos nasdarovias. Conversamos e depois fomos dormir. Disse que iria levantar cedo para dar uma corridinha fora no parque ao lado. Lembro-me que falou bom esportista você rsrsrs. Dormi então na sala, pertinho da cachorrinha, cheio de ansiedade pelo que me reservava o next day.
A viagem era Madrid - Moscou com escala em Milão. Pronto e curioso, tão excitado quase como a primeira experiência sexual rsrsrrs, embarquei. Aterrisamos num aeroporto moskovita, era final de janeiro, inverno. São menos dezoito graus centígrados falou no microfone a introvertida, quase muda, aeromoça da Aeroflot. Encaminhei-me à imigração e me chamou a atenção que não havia nenhum móvel nas salas, nenhuma mesa, apenas algumas velhas e retorcidas cadeiras de madeira, esparramadas sem ordem, umas no meio, outras nos fundos, umas poucas até caídas.

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