terça-feira, 17 de abril de 2012

Argentina 2

A equipe do Newell"s era a mais jovem da primeira divisão. Havia já em Rosário, cidade na época de uns 400.000 habitantes, 3 divisões adultas divididas em primeira, segunda e terceira, com ascenso e descenso. A razão porque decidi viver na Argentina era basicamente ajudar no desenvolvimento de nossa modalidade em um país de muita tradição no futebol de campo. Com um país com esse potencial fortalecido, teríamos conquistado um fortíssimo aliado no continente sul-americano, podendo daí alastrar-se mais robustecido para o centro e norte americano. Quando conversei com o Sr Januario D"alessio, presidente da FIFUSA, sobre essa intenção, ele entusiasmou-se e procurou entusiasmar-me com palavras de animo e gratidão. Na época o futsal na Republica Argentina era totalmente amador e alem dessas dificuldades teria eu de a cada três meses sair do país e retornar. Viagem em ônibus de linha que tardava 40 horas Rosário a SP e de SP a Rosário para conseguir o visto por mais 90 dias. Buenos Aires começava a dar os primeiros passos na massificação do futebol de salão. Dois anos antes, ainda estando eu em Santos, acompanhado pelo Inivio (jornalista do jornal A Tribuna de Santos) ministrei um curso a nível nacional em Buenos Aires, constatando o interesse que o "salão” provocava. Isso pesou em minha decisão de ir ao nosso vizinho país anos mais tarde. Tinha convicção de que estando la,apressaria o progresso do futsal argentino.
Faz-se necessário compreender que a disseminação de um esporte em um novo centro depende de alguns argumentos inevitáveis.
Primeiro - ser suficientemente barato para a classe média e pobre poder praticá-lo
Segundo - Ocupar uma área de terreno pequena em razão da especulação imobiliária. Nas grandes, médias e até pequenas cidades da Republica Argentina, já se fazia notar no ano de 1985 a carência de "potreiros" para a pratica do futebol de campo. O que beneficiava o futsal.
Terceiro - ser agradável e gostoso de jogar
Quarto - Buscar uma utilidade social mais abrangente que o futebol maior, como também no aspecto técnico do jogo aproveitar principalmente os ensinamentos do baloncesto.
Quinto - Arregimentar a indústria esportiva de implementos próprios a pratica do salão, ou seja, bolas, tênis, roupas, etc...., a qual estava começando a despertar no país argentino importante interesse.
Todos esses requisitos estavam postos e propiciavam um veloz crescimento da modalidade.
O Sr. Grondona já no ano de 1985 dirigia a AFA, Associação de Futebol da Argentina e pelos lados da Federação Argentina de Futebol de Salão, por primeira vez, um porteño foi eleito presidente, ganhando direito de levar a Buenos Aires a sede representativa da modalidade.
Grondona, jamais se preocupou e talvez, até desconhecesse este novo esporte, contudo quando o futebol de salão foi introduzido na capital , foi realmente surpreendido. Em 1975, dez anos antes, o futebol de salão argentino, resumia-se a Corrientes, primeira cidade a adotá-lo (fronteiriça ao Paraguay) e Rosário, cidade esta que introduziu o futebol de salão a outras regiões do país. Em 1985, todavia, a realidade era muito diferente, pois a recente modalidade disseminou-se por toda Republica desde o sul, Ushuaia, ao norte Corrientes e cercanias, ao oeste, Mendoza e leste pelas varias cidades da província de Misiones.
Em Buenos Aires, clubes de bairros impulsionaram o futebol de salão a tal ponto que entidades esportivas do nível de um Gimnasia y Esgrima, Boca Juniors, River Plate, etc...equipes de futebol de campo, aderiram com força total, inscrevendo-se em categorias de base e adultos na emergente Federação de Futebol de Salão.
A inquietude do Presidente Grondona era real e antevia logicamente uma diminuição de valores traduzido em números de fichas( praticantes) o qual seguramente ocasionariam queda em entradas, cada vez maiores. Foram então estabelecidos contatos com o Sr. Havelange, onde este (Grondona ) conheceu o quão importante era o futebol de salão no Brasil. Temia isso.
É bom deixar claro que eu aqui não procuro criticar ou elogiar dirigentes, mas sim, entende-los.Eles se vêem em primeiro lugar como negociantes e é sob essa óptica que podemos compreende-los melhor, entendendo suas decisões.
A liga Rosarina, na categoria adulta em 1985, devido a alta procura de equipes de bairro, acrescentou a terceira divisão adulta com ascenso e descenso. É importante frisar, que essas agremiações bairristas, antes eram unicamente filiadas à federação de Baloncesto e com o surgimento do futebol de salão, o número de sócios contribuintes, entre crianças e adultos, mais que dobraram ou triplicaram.
Impulsionados também pela grande aceitação, clubes de futebol de campo aderiram a modalidade, tais como o Newell"s , o Central ( Rosário Central ), repercutindo o interesse advindo dos clubes populares,
Naquele mesmo ano para ajudar a jovem equipe do Newell"s livrar-se do rebaixamento , optei por atuar também como jogador, dividindo os treinamentos com o amigo Caruzo. Tanto no Newell"s, como no Rowing, era eu amparado por uma grande quantidade de amigos e companheiros fazendo-me sentir como mais um rosarino de coração e alma. Havia recuperado o meu joelho e só teria de ter sorte e alguns cuidados diários.
O jogo o qual, definitivamente fez o Newell"s fugir do rebaixamento foi realizado na quadra aberta do Central, o esperado derby e foi emocionante ver aquela quadrinha simples tão repleta de gente que muita gente ficou impossibilitado de adentrar as dependências internas daquele clube. Perdíamos de três a zero e conseguimos virar o jogo a 5 x 3 com cinco gols marcados por mim. Bom, imaginem a nossa alegria e principalmente a do nosso Caruzo que levou-nos a sua cantina que localizava-se na área interna do Newell"s e ali comemoramos entre todos, de maneira fraternal e emocionada. nossa permanência a primeira divisão.
O ano de 1986 iniciava-se com agradáveis perspectivas esportivas, todavia para a economia do país não havia muito a comemorar. Havia estado na Argentina em diferentes épocas e infelizmente a cada viagem, acompanhei o empobrecimento de sua população. Minha mãe adorava viajar e Buenos Aires era uma de suas cidades preferidas. Para minha genitora, fosse como fosse, em avião, ônibus, carro, trem, simplesmente não havia tempo ruim. Aprendi com ela que conhecer um lugar é fundamentalmente ter contato com a população desse povoado, vila ou cidade. São as pessoas que dão forma, conteúdo, vida e alma a uma pequena aldeia ou a uma enorme megalópole. Ir a Paris, Bogotá, Araraquara ou Tapejara e não conversar com ninguém, pouco, muito pouco pouco mesmo se conhece. Foram duas viagens a passeio, 1968 e 1973 e duas a trabalho, em 1983, por 20 dias e 1985, quase dois anos. Em 1983, durante o curso nacional para treinadores, percebi um povo entristecido, recém saído de uma guerra das Malvinas e muito dividido entre porteños e não porteños. Faz-se ressaltar que a maior parte daqueles jovens soldados, sobreviventes ou não, pertenciam às províncias mais pobres, como Corrientes por exemplo.
O Presidente Alfonsín, eleito em 1983, empenhava-se em melhorar uma economia que se debilitava a cada ano para tentar retornar aos saudosos tempos do passado. Lembro-me que em 1973, eu e minha mãe sentimos na pele a euforia popular nas ruas, bares, rádios e televisões levada aos limites do delírio. Era o retorno do General Juan Perón que estava prestes a ocorrer e este General, de singular história para a nação, era descrito nos programas televisos de "entonces" como o herói do seriado preferido na época, o "Zorro", que iria "echar a los malos y establecer la justicia y bien estar al pueblo argentino". Em seu retorno, no aeroporto de Ezeiza, grupos armados como os Montoneros exibiam faixas provocativas aos militares com revolveres em punho. Minha mãe então decidiu não sair à rua naquele dia e acompanhamos tudo pela concorrida televisão do hall do hotel repleto de argentinos e não argentinos.
Desde 1977 havia já viajado por um numero relativo de países, mas, no entanto, apenas por breves períodos os quais não excederam mais que dois meses.
Decidi-me, firmemente então, morar na Argentina por dois anos e estar full-time disponível para o futebol de salão, tendo total conhecimento de que teria, para sobreviver, enfrentar escassezes e saber administrar os parcos recursos provenientes de um esporte em franco crescimento mas todavia, ainda totalmente amador. Minha intenção maior era aprender para o futuro próximo. Necessitava aprender a viver humildemente, compartir uma pensão, viver sem carro, controlar o pouco dinheiro, evitar os mínimos gastos supérfluos, andar de ônibus, caminhar e mesmo assim, ainda realizar o milagre de conseguir economizar os centavos, rsrsrs. Tinha a consciência de nas mãos de Deus ir, nos anos seguintes, a muitos lugares semelhantes a Argentina e essa experiência com " los hermanos " ajudar-me-iam bastante em enfrentar as dificuldades que essa vida errante me proporcionaria.
Não pensem rapazes que o orgulho esta por trás disso. Pode-se ser vaidoso por alguns meses, mas não por 25 anos repletos de enormes desafios. Qualquer ser humano precisa ter a sua história e o realmente sentir-se vivo é justamente desobedecer tantas inverdades, medos, covardias, falta de comprometimentos que conduzem as pessoas a uma inconsciente escravidão. Para tal nosso caminho deve ser reto, sem privilégios, transformando o impossível dos homens em uma linda emocionante realidade que só o anonimato de nosso esforço pode propiciar. Portanto, rapazes, não desperdicemos, um minuto sequer da vida que nos foi regalada. Assim pensando, resolvi decididamente morar na Argentina, rsrsrsrs, para certa tristeza e preocupação de meus pais, rsrsrsrs

Nenhum comentário:

Postar um comentário