terça-feira, 17 de abril de 2012

Os olhos dela

Há certas imagens que ficam gravadas em nossa memória, as quais carregaremos até o fim de nossas vidas. Elas têm muitos motivos: aqueles trágicos (por morte) são óbvios pelo trauma que nos provoca, contudo, há gestos e olhares tão cheios de tristeza que são capazes de fincar estaca no coração da gente e lá permanecer.

Estava em La Paz ( Bolívia ) naquela época colaborando com a FIFUSA e também por minha vontade e desejo de la estar. A Federação Paceña, construía duas quadras e projetavam o seu ginásio enfrentando, como sempre, as pressões da FIFA.
Num desses dias que eu levantava bem cedinho para olhar a cara das pessoas e observar o rosto que cada cidade possui deparei-me com uma senhora indígena (Chola) a chorar copiosamente sem que nenhum transeunte daquela agitada avenida ligasse a mínima a seu pranto. Nem era notada por ninguém, nem ninguém a notava. O meu primeiro pensamento foi de, talvez, alguma necessidade tivesse ela de dinheiro, mas, todavia ao acercar-me intui algo mais sério.
“Señora, puedo ayudar en algo??", indaguei meio sem jeito, tentando algum contato. ““ Levantou a cabeça, pois estava sentada em uma retorcidíssima banqueta e disse-me entao” desafortunadamente señor ya nadie (ninguém) puede ayudarme, veo senhor que no eres de aca “. A voz transmitia desconsolo, mas dei vazão a minha curiosidade e prossegui “que hubo señora, puedo saber??" Outra mirada quase sem forças e devagarinho contou sua história. Nas minas de estanho bolivianas, os trabalhadores todos indígenas extraiam pedras das entranhas da terra sem nenhuma mascara de oxigênio, aspirando e exalando poeira e gases muito nocivos a saúde. Por falta de trabalho la iam eles na adolescência e antes dos trinta anos já ninguém conservava-se vivo. O filho dessa senhora havia falecido há alguns dias atrás com 28 anos de idade.
O desabafo durou um bom tempo e não a interrompi quase nada. Falou-me muito dele ( filho ), de seus sonhos, de seus filhos e netos e do duro trabalho das minas, daquela aberrante exploração humana. Revoltante sob todos os aspectos. Ao terminar deu-me um beijo de despedida e um olhar tão carregado de tristeza que não há semana de minha vida em minhas lembranças que não reflita a imagem de seu rosto amargurado. Esse instante tenho certeza permanecerá para sempre comigo.

Obrigado

Dedico este comentário a todos os indígenas bolivianos e também a quatro rapazes, agora professores de mão cheia, Adolfo, Sidney, Edu e Douglas, todos trabalhando na Espanha.


11 de março de 2009

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