terça-feira, 17 de abril de 2012

REPÚBLICA DA MOLDÁVIA

Um bom avião russo transportou-me de Moscou a Kishnev, capital da recém criada nova República, separada há pouco da União das Republicas Socialistas Soviéticas. Estávamos no início da década de 90, no despertar de outra era, depois de tantos anos atrelados ao comunismo que tomou conta de metade de toda Europa.
Através de uma comunicação em inglês da nada simpática aeromoça da AEROFLOT, fui conduzido por ela a presença da pessoa responsável pela minha permanência naquelas terras de clima e geografia tão distintas a brasileira.

Alexander, de aparência alta e magra, me saudou com umas boas vindas e um abraço bem afetuoso dizendo-se feliz em recepcionar alguém de uma terra tão distante dali. Logo em seguida, recolheu minha mala e indicou o caminho daquele aeroporto de dependências modestas mas aconchegantes e singulares.

Durante o trajeto rumo ao Hotel pude constatar o mesmo estilo de prédios habitacionais de Moscou. Confesso esse aspecto não me agradava do regime comunista. Um após o outro, eles desfilavam sob os meus olhares, edifícios com a mesma altura, aspecto cinzento, com a mesma insossa arquitetura, nada alegre ou criativos, transbordando tédio e melancolia.
Kishnev então, média e espaçosa cidade, mostrava-se a meus olhos séria. Seu aspecto assemelhava-se ao semblante de seus taciturnos habitantes, os quais, conhecendo melhor mais tarde pude constatar grandes virtudes de caráter. Se eram tempos sofridos para a imensa Rússia, imaginem a pequenina Republica Moldova, carente de matérias primas e extremamente dependente economicamente de seus vizinhos mais agraciados, ricos em petróleo e melhor preparados para a dura transição.

Quando chegamos ao Mercado Central Municipal, pude constatar consternado as mazelas impostas pela nova ordem econômica. Os considerados " economicamente inviáveis " perambulavam por aquele recinto em busca de restos de alimentos com que sobreviver. Esses " inviáveis " incluem-se cegos, deficientes físicos, mentais e outros largados a sua própria sorte.
Sacha e um seu próximo amigo, um hebreu que adorava a Moldávia, gordinho, cara vermelha e simpático, conduziram-me a muitos treinos e alguns passeios possibilitando-me dessa forma conhecer pessoas jovens e mais velhas que poucos vão cativando a alma de qualquer estrangeiro.
Lembro-me agora de outro personagem importante para a Federação local, seu patrocinador mais importante, um senhor grego, de grande posse e que adorava jogar futsal e o fazia bastante bem pela sua já adiantada idade.
Em alguns momentos de lazer, conduziram-me a conhecer o circo, orgulho de todos os povos da ex URSS daquela época e realmente de encher os olhos pela beleza e habilidade de seus artistas. Outro passeio inesquecível foi conhecer uma produção de vinhos, cuja região era a única a produzir esse liquido em toda Republica. Percorri labirintos e salas medievais daquela imensa fabrica e por fim fizeram-me provar a bebida milenar entre gostosos queijos típicos do lugar.

Contudo, o que me dava mais prazer realmente era acompanhar Sacha ao mercado Central Municipal. Como me referi anteriormente, todos aqueles maltrapilhos personagens tornaram-se meus conhecidos e me comoviam suas imitações pois sempre desejavam compartilhar comigo o pouco que tinham. A língua não era obstáculo quando olhares deixam transparecer a voz do coração. Ali, conversava com todos, abrindo a boca como podia e fazendo gestos com as mãos. Ninguém falava inglês ou frances ou italiano ou castelhano... apenas e tão somente meu amigo Sacha. Naquele universo slavo que era o entreposto, conheci o moldavo verdadeiro mas também outros russos, asiáticos da antiga republica, búlgaros, romenos, polacos, húngaros e ate mesmo ciganos e suas famílias. Naquela época não haviam drogados mas a bebida era o deporto mais popular de todo aquela massa humana abundante.

Ali, este brasileiro perdido já era um personagem popular e requeria certa esperteza para não magoar meus amigos diante de tantos convites para beber um trago de vodka que para eles era um símbolo de uma nova amizade. Amigos leitores, não foi fácil realmente para mim fazer-lhes compreender que não estava habituado a como eles, beber daquela forma incessante e continua rsrsrsrsrs

Sacha, informava-me todas os dias pela manhã, respeito as atividades que íamos ter até a noite. Dirigíamos cedinho ao mercado e no trajeto, ele, eu e o nosso companheiro hebreu, conversávamos animados. A família de sacha, era deveras simpática, da mesma forma a senhora hebrea e seu filho, gorducho e vermelhão como o genitor paterno.
As noites viajávamos de tempos em tempos, pelas cidades próximas a Kishnev e dessa forma, íamos conhecendo lugares e travando contato com mais gente.
Era extremamente curioso sentir a recepção que nos proporcionavam os dirigentes e jovens atletas em cada pequena cidade do interior daquele inusitado país.

Geralmente aguardavam-me na quadra, crianças ou adolescentes perfilados em posição de sentido, como se fossem ser passados em revista por algum ranqueado militar. Aos poucos o gelo ia se quebrando e o treinamento derivava para um agradável e produtivo encontro, terminando eu jogando com os meninos e divertindo-nos descontraídos e felizes, o que deixavam os diretores algo perplexos, habituados a rigidez e ao relacionamento assaz hierárquico e frio demais para mim.

Em uma dessa viagens, o treinador local nos convidou após o treino a conhecer sua dacha ( pequena propriedade rural )e provar um vinho caseiro e queijos com sua família. O nosso amigo hebreu, de rosto naturalmente avermelhado. após os seguidos tragos de vinho colonial então, transformou-se inevitavelmente em alguma coisa parecida a um toureiro de lidia espanhol, ou seja, vermelho por todos os lados. No retorno, eu e ele dormimos no carro Lada de Sacha, deixando Sacha guiar sozinho, sem companhia até Kishinev o que nos valeu uma tremenda bronca de Sacha ao chegarmos a Kishinev rsrrsrs.
Aquele mês passou rapidamente e teria de retornar a Moscou. Essas viagens curtas sempre me deixaram com a vontade, o forte desejo de um dia retornar e poder la ficar mais tempo do que a vez anterior. Lindos lugares mas infelizmente desconhecido deste mundo que só tem olhos para onde o poder econômico la chega. A Moldávia existe sim e é bela.

Ao regressar aos meus compromissos com o Boris em Moscou, carreguei na lembrança todos aqueles amigos. Uns ricos, outros pobres ou muito pobres, crianças, adolescentes, adultos, velhinhos, esportistas, não esportistas, empregados, patrões, comerciantes e até mendigos ou grandes empresários. Cada um com o seu espaço em minha memória e esteja onde estiver, nunca me abandonarão e viajarão a todos lugares comigo, por todas as partes onde irei.

Obrigado Moldávia
8 de outubro de 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário