terça-feira, 17 de abril de 2012

Juanito e o jornalista

Don Jaime ligou-me a meu celular. Necessitava conversar comigo com certa urgência " tengo un trabajo para usted dromedario interplanetario " . Este senhor de mais de 80 anos sempre me provocava com esse humor peculiar. Personagem hiper folclórico, conhecidíssimo por toda Colômbia, é o Presidente da Federação Colombiana de Futebol de Salão, afiliado primeiro a FIFUSA e agora a Associação Mundial de Futebol de Salão. O I D R D ( Ministério de Esportes ) o contactou depois de não receber nenhuma resposta da Federação Colombiana de Futebol sobre seus projetos
Bogotá, agora uma metrópole enorme, curiosa e extremamente confusa é capaz de que em cada esquina produza fatos tão pitorescos que tornam o tédio la inexistente.
Os ônibus chamados "bucetas", sim, exatamente esse nome, pequenos e coloridos, carregam passageiros espremidos os quais, mesmo nessas condições, bailam discretamente ao som do rádio em seu interior. Salsas, cumbias, ballenatos, conseguem transformar aquele martírio em algo hilariante, menos sofrido. Como não há paradas fixas, recolhem e despejam os desafortunados passageiros onde melhor lhes convier, tornando o trânsito nas ruas centrais simplesmente caótico.
Entre a carrera sétima e a calle primeira, zona nevrálgica de Bogotá, certa vez, quase fui atropelado digamos de uma forma brutal e ao mesmo tempo ridícula. Escutei um ruído trepidante em minha direção e quando giro o meu corpo me deparo junto ao meu ombro com um enorme chifre de boi zumbindo a meu lado. Tão surpreso quanto gelado de susto, observei aquele infeliz e aterrorizado animal correndo sobre os carros que frenavam surpreendidos.

Depois da ordem daquele ex militar ( Don Jaime ) encaminhei me a federação colombiana a pé, meio mais rápido de se andar pelo centro de Bogotá, apesar dos riscos. Ao chegar ouço aquela voz de Don Jaime que soava como música aos meus ouvidos, “Como estas inicuo testa ferro del regimen ??? " rsrsrsrs menuda saudação não acham??? e completa " sientate mandragora ".
Expõe então o projeto do IDRD que era o seguinte. Formar oito escolinhas de futebol de salão em áreas de grande risco, onde diziam eram habitadas por filhos de narcotraficantes e guerrilheiros e como nenhuma federação de nenhum esporte aceitou, entregaram a federação de futebol de salão esse premio de consolação, dito mesmo dessa forma irônica, com ma intenção. Don Jaime, então tomou a peito e aceitou, sem antes dizer ao pobre infeliz que proferiu aquela frase, coisas nada agradáveis a ele. Disse-me também, logo após em privado, que só aceitou o desafio porque confiava em mim rsrsrsrs e necessitava alguém suficientemente maluco como eu para supervisionar oito professores jovens que seriam selecionados por ele para ministrar essas aulas rsrsrs. Fez-me mil advertências para os cuidados que deveria eu ter nesses locais e encerrou a explanação dizendo sem me dar oportunidade a qualquer questionamento econômico " y puedo pagarle tanto, porque no hay mas " rsrsrsrsrs.
Aceitei, conhecendo este senhor, pois era uma pessoa nobre e muito correta e o que prometia, cumpria. Sabia também da capacidade que ele possuía em escolher pessoas adequadas, integras, dedicadas e ...enfim....boas. Selecionou 5 professores e 3 professoras, jovens de grande capacidade e imenso coração.
Houve reuniões, acertos, recomendações e iniciou-se o trabalho.
Para chegar a essas localidades, tinha eu de caminhar até o transmilenio, ônibus mais modernos que trafegavam por corredores especiais, e depois de um largo trajeto, descer no ponto final e pegar outro ônibus chamado alimentador e, ainda, às vezes, caminhar um pouquinho mais. Levantava bem cedinho, pois tinha também mais dois trabalhos e em um deles, na Universidade de Los Andes, a mais cara, equipada e rica da Colômbia. Assim que orientava meninos quase miseráveis e os adolescentes melhor aquinhoados da Republica, os que iam dar rumos ao país, como diziam eles.

Os meninos desses bairros eram a respeito de suas carências, extremamente carinhosos com seus dedicados professores. E os professores e professoras, verdadeiros pais e mães dos meninos. No bairro mais temido de todos os oito conheci a Juanito.
 O ginásio ficava no alto da montanha e de la eu observava todas as pessoas deslocando-se como formiguinhas pelo formigueiro. Via também o tanque de guerra e soldados com metralhadoras em punho espalhados em pares a cada duas ou três quadras. Foi nesse lugar que vi aproximar-se a mim esse menino de tez morena e olhos vivíssimos, sorridente e muito educado. Já haviam espalhado a noticia do profe brasileño, assim que tornei-me popular rapidamente naquele vilarejo que aos poucos foi me cativando diante de tantas gentilezas. Juanito, todas as terças e quintas, quando eu la chegava, vinha ao meu encontro com uma taça de tintico ( cafezinho preto ) que sua abuelita mandava especialmente para mim, antes do treino. Certo dia pediu-me para acompanhá-lo a sua casa e fui recebido com emoção por sua doente vovó, pai, mãe e cachorrinho. Mostraram-me seu lar dizendo com orgulho que mais 2 anos de pagamento ao governo seriam proprietários daquela humilde residência.

Trabalhavam juntos recolhendo latinhas para serem reciclados o pai e o cachorrinho. Sim, o cachorrinho que já conhecia os lugares e as pessoas que separavam as latinhas. A tarde agregava-se Juanito e partiam aos lugares do bairro onde já os aguardavam com mais latinhas.
Quando despedi-me naquele dia, sua mãe confidencio-me em silencio, com os olhos cheios de lágrimas, sobre a grave enfermidade da abuelita. Ela faleceu duas semanas após. Passados mais algumas semanas visitei por última vez aquela linda família e aquela aconchegante casinha colorida.

Atualmente, estou vivendo em Criciúma ( Santa Catarina ) e já estou há um ano e meio residindo no Brasil. Chego cansado e durmo umas nove horas da noite, desperto depois de umas quatro horas de sono para depois dormir mais um pouquinho. Nesse intervalo, entre um sono e outro, estico sempre meu braço no escuro buscando o radinho de pilha que deixo sintonizado na radio eldorado, ela entra em conexão com a radio bandeirantes de São Paulo pela madrugada e em uma dessas noites, escutando o programa " A caminho do sol “ouvi uma entrevista emocionada do jornalista Milton Neves sobre a sua infância, simples e feliz, em sua cidade natal, Muzambinho. Disse ele então " Hoje sou feliz mas, apesar de nosso humilde lar em Muzambinho, com muitas carências, eu era muitíssimo mais feliz la do que sou agora, que tenho tudo ".
De imediato essa frase fez-me lembrar de Juanito e sua família, lembrei-me daqueles momentos felizes que também comparti com aquela hermosa família. Tenho a certeza que Juanito quando crescer e quando falar de sua infância, se expressara com idêntica emoção que a do jornalista.
Com imensa tristeza vejo a FIFA obstaculizar na grande maioria dos países, o acesso do futsal às crianças, disseminando a idéia que o futsal prejudica o desenvolvimento técnico do atleta de futebol onze, coisa que sabemos todos ser justamente o contrario.

A eles, Juanito, família e cachorrinho e ao jornalista Milton Neves, todos personagens reais e felizes, os quais possuem profundos sentimentos afines, dedico este comentário
Obrigado
15 de abril de 2009

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