terça-feira, 17 de abril de 2012

Dormindo com o inimigo



A primeira vez que viajei a Europa, no ano de 1979, estávamos aqui no Brasil sob a tutela de uma Federação Internacional totalmente independente ao futebol de campo (baixo a tutela da FIFA), a qual era conhecida pela sigla de FIFUSA, ou seja, Federação Internacional de futebol de Salão, criada no Brasil e sediada em São Paulo, o que tornava nosso país referência nesta modalidade tal qual a Inglaterra é no Futebol Associado (Futebol 11).
Nesse mesmo ano de 1979, a sede da CBFS transferiu-se do Rio de Janeiro para Fortaleza, principalmente provocado pelo desejo dos dirigentes cariocas de futebol de salão, ligados ao Sr. Havelange, de conduzir o futsal a ser um departamento dentro da FIFA. O posicionamento das demais Federações estaduais contrárias a essa absorção foi a causa principal que provocou a mudança da Confederação Brasileira de Futebol de Salão ao Ceará.
A Espanha em 1979 era um país que se abria a América do Sul por laços culturais antigos, tal qual Portugal e se interessava pelo futebol de salão praticado em nosso continente sulamericano, mesmo estando ligada ainda a Real Federação Española de Futbol (FIFA). Cabe aqui dizer que o Futebol 5, termo designado ao jogo que essa federação inventou para contrarestar ao Futebol de Salão, já estava em vigência na Europa, provocando um enfrentamento anos mais tarde entre dirigentes espanhóis que pertenciam ao departamento de Futbol Sala e os dirigentes da Real Federação Espanhola de Futbol, ligados unicamente ao futebol de campo. Enfrentamento esses em questões de regulamento de jogo, mas fundamentalmente em questões econômicas a principal e administrativas. Esse departamento dentro da FIFA não possuía autonomia financeira, pois o dinheiro arrecadado proveniente de inscrições de atletas, clubes, taxa arbitral ia diretamente à Federação Español de Futbol e autonomia administrativa também, tais como o impedimento a criação de campeonatos oficiais das categorias de base de Futbol Sala por parte da Federação de Futebol. Esse impedimento ocorre até os dias atuais na grande maioria dos países afiliados a FIFA.
No plano jurídico, vendo, com temor o crescimento da FIFUSA e temendo perder uma fonte de arrecadação de recursos, A FIFA também passa a questionar nos tribunais o fato da utilização do nome Futebol por parte da Federação Internacional de Futebol de Salão. Contudo a maioria dos tribunais não via fundamento, pois o estatuto oficial da FIFA define o Futebol Asociation como um esporte praticado por uma equipe de onze participantes. O próprio tênis de mesa e tênis de campo viria a comprovar as diferenças entre uma modalidade do mesmo nome, mas tecnicamente distintas. Alem disso é fácil evidenciar que o Futsal tem muito mais a ver com o Basket que com o Futebol 11, devido à riqueza de movimentos e até mesmo em detalhes técnicos como nas desmarcações individuas (os atletas pisando com as pontas dos pés como o basket e vôlei, por exemplo).
No ano de 1979 a 1988 o crescimento da FIFUSA foi evidente. Em primeiro lugar o esporte era introduzido em qualquer lugar do mundo pela base, pelos garotos, o que fortalecia um surgimento vigoroso, pois também cumpria uma função social, sobretudo em países sub ou em desenvolvimento e mesmo em países com um grau de desenvolvimento elevado. Penetrou na Europa pela Espanha e Portugal e logo depois Rússia no norte e a antiga Tchecoslováquia no centro. Na America do Sul, alem dos países tradicionais, fortalecia-se na Argentina, país importante e entrava na Colômbia em direção a Venezuela, penetrando também na America Central pela Costa Rica. Na Oceania, através da Austrália e África e Ásia começava-se a haver bons contatos principalmente com o Japão. Um esporte com uma base amadora fortíssima, que caía no gosto das crianças de todas as partes e que sentiam orgulho em serem chamadas de salonistas (praticantes do futebol de salão).

A Espanha, já então separada da FIFA, organiza o segundo campeonato mundial em 1985. O primeiro Mundial FIFUSA havia sido realizado pelo Brasil, três anos atrás, 1982.
Durante esse mundial em terras européias, a FIFA hostiliza e começa a utilizar mecanismos de pressão a seu dispor, fazendo-se valer de seu já consolidado poder econômico. Tenta de todas as formas barrar a realização desse evento, todavia, não consegue. O mundial se concretiza, inclusive com a transmissão televisiva ao vivo da partida final para o Brasil pela Rede Bandeirantes de Televisão, o que provocou temor e irritou profundamente ao Sr. Havelange. O que antes era um esporte limitado a América do Sul, apresentava-se na Europa com uma Espanha disposta a abrir caminhos e penetrar pelo território europeu com sucesso. No ano seguinte leva a cabo o primeiro campeonato europeu de seleções. Se faz necessário dizer, sem ser repetitivo, que verdadeiramente a FIFA só foi dar conta da existência deste novo esporte quando ele começou a difundir-se rapidamente pelo continente europeu.
A mentalidade dos dirigentes da FIFA era e é unicamente mercantilista, são pessoas com pouco passado esportivo e que não possuem nenhuma preocupação do esporte a nível social. Vêem a atividade esportiva com lupa de negociantes, segundo eles, inventores e proprietários de uma marca muito lucrativa. Sabiam eles então, que com o crescimento urbano das grandes cidades, a especulação imobiliária roubava e roubaria no futuro espaços ao que antes eram campos e áreas abertas propícias a pratica do futebol 11. Uma outra realidade sobrepunha-se, o futebol em salão, que não estava sob seu controle. Praticantes, fichas, dinheiro que iria para uma outra entidade que preconizava liberdade e que enfrentava organizada suas pretensões de exclusividade.
Muito preocupado a FIFA tenta criar algo similar e da a esse novo esporte o nome de Futebol a cinco e procura de todas as formas dinamizá-lo. Contudo, a FIFUSA já havia desenvolvido dirigentes com um know-how de trinta anos de existência, os quais gostavam e conheciam a modalidade, experientes e muito melhores preparados depois de três décadas de muito sacrifício. O futebol de salão dentro das quatro linhas criava uma identidade totalmente sua, melhorava e atualizava constantemente, através do conhecimento do Sr Mario Lopes, o regulamento de jogo. Seus atletas, jogadores, passaram a aprimorar uma técnica toda especial, trazida inclusive da experiência de outros esportes de quadra como, repetimos, o baloncesto. Assim que o futebol a 5 não prosperava, apenas sobrevivia com dificuldades.
Faço um parêntesis aqui para algo que passou desapercebido e ainda passa nos dias de hoje. A discussão, que muitos crêem atual entre o Comitê Olímpico e a FIFA advêm desde o início do século. Desde o primeiro mundial de futebol 11 no Uruguay em 1930 e a criação do profissionalismo até antes dessa época. Por esses tempos, as Olimpíadas eram as competições mais importantes que haviam no mundo do futebol de campo. O comitê olímpico tinha o orgulho de dizer que os melhores atletas do esporte mais praticado do mundo participavam de sua competição quatrienal. O profissionalismo dos jogadores, os mundiais promovidos e negociados pela FIFA, os espaços que as rádios davam ao radio esportivo, basicamente futebolístico, através de bons e poderosos patrocinadores, tudo isso, acabaram por relegar a competição de futebol 11 dentro da Olimpíada a segundo plano nada simpático claro aos dirigentes olímpicos.. Assim sendo, a FIFA era consciente desde pouco antes do ano de 1985 que o Comitê Olímpico poderia, até para contrariar e provocar seu rival, aceitar o Futebol de Salão dentro dos Jogos. A FIFA européia tinha total conhecimento disso. Algo tinha de ser feito rapidamente.

A FIFA então, passa do confronto aberto, para uma aproximação com dialogo, basicamente em duas frentes. No Brasil com a presidência da FIFUSA e os dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol de Salão e na Espanha, com os homens do Futebol 11 (a FIFA não admitia em hipótese nenhuma a FIFUSA e queria o controle do futsal) e a Real Federação Espanhola de Futebol de Salão (Sala), filiada a FIFUSA, fortalecendo-se mais a cada ano, em evidente contraste com a outra de Futebol de 5, com dirigentes inexperientes e não queridos por seus superiores, comandantes do futebol 11.
Quantos aos presidentes das duas máximas entidades, João Havelange e Januario D alessio, que antes revezavam-se em declarações ásperas, passa-se a haver um certo silencio e trégua depois que João Havelange mudou o tom e convidou o Sr Januario para uma serie de encontros na Suíça.
Essa serie de reuniões na Suíça prosperaram para o lado da FIFA. O Brasil aceitava as condições e a colocaria em votação durante um futuro congresso realizado em São Paulo. Na Espanha, todavia, não houve tal concordância pelos meios esportivos a nível de dirigentes. Restava a FIFA então buscar demover os dirigentes de clubes da divisão de honra de Futebol de Salão convencê-los a abandonar a FIFUSA. Nesse momento o mediador desses encontros, o Sr Cortes Elvira, ministro de esportes, passa a ter uma postura absurdamente tendenciosa e culpa a Federação Espanhola de Futebol de Salão pelo fracasso da unificação desse esporte, logicamente dentro da FIFA. Uma bonita palavra essa, unificação, para justificar a absorção que desejava a FIFA.
Todos então acompanhavam, sobretudo na Espanha, o que aconteceria no Congresso de São Paulo da FIFUSA onde os membros de cada país afiliado decidiriam pela entrada ou não na FIFA.
Brasil e Espanha que sempre estiveram unidos apresentaram-se enfrentado e como agravante ocorreu um fato de extrema importância e provocou ainda maior acirramento entre ambos. A FIFUSA sempre teve um presidente brasileiro com candidatura única e sem qualquer oposição. Não obstante, como tudo que cresce, cresce também os interesses, a Espanha vai ao congresso anunciando uma futura candidatura a presidência da FIFUSA em outro Congresso Mundial a ser realizada no ano seguinte (1989 ). O resultado do Congresso foi favorável a não integração na FIFA, optando por seguir os membros da FIFUSA como uma entidade livre e independente e com esmagadora maioria de votos.
Os dirigentes brasileiros saíram dessa reunião profundamente contrariados e temerosos de também no ano seguinte, perderem por alguns anos a presidência da FIFUSA. Desafiliam-se da FIFUSA alguns dias a pose passam a integrar um comitê de Futebol - 5, recém criado dentro da FIFA.
Era tudo que a Real Federação Espanhola de Futebol de Campo desejava. Os vinte principais clubes de Futebol de Salão, desafiliam-se, acompanhando o Brasil e motivados também pela promessa de televisionamento pela TVE 2, televisão estatal espanhola de jogos semanais dessa futura competição, que reunia as 20 melhores equipes de uma federação e de outra.


Sem o Brasil e com uma Espanha enfraquecida, a FIFUSA, nascida no Brasil, começa a extinguir-se vitima de um processo doloroso, aguentando-se por alguns anos, sucumbindo no descaso. A Federação Internacional de Futebol de Salão, deixa então de ser a referencia maior da modalidade.
Quanto ao five a side football, futebol a 5, que aqui chama-se ironicamente futsal, observa-se claramente diante de todos, o desprezo que a FIFA tem pelas pessoas que gostam desta modalidade, sejam elas dirigentes, atletas ou simpatizantes. Hoje, na FIFA, contam-se nos dedos de uma mão os países que possuem campeonatos de categorias de base com calendário anual e mesmo nesses países, como é o caso do Brasil, ha menos equipes participantes a cada ano que passa. Dessa forma, não havendo jovens praticantes, crianças e adolescentes, os Srs. da FIFA impossibilitam o crescimento da modalidade, e impedindo também a formação de novos dirigentes (de futsal) que por suposto ia requerer um esforço econômico, cargos a dividir e recursos a repartir.
Outra questão onde as razoes que se comentam não são verdadeiras é sobre o objetivo Olímpico. Que fique bem claro que a FIFA jamais teve interesse nessa questão. O futsal na Olimpíada, se fosse incluído, em poucos anos escaparia do controle da FIFA pelo potencial que tem esse esporte com a juventude de todo mundo. Então, que de uma vez por todas entendam que, nem o Comitê Olímpico incluíra o futsal nas olimpíadas porque não suporta a FIFA e nem a FIFA deseja o futsal olímpico porque não suporta esta modalidade. Triste realidade.
Seguramente fomos ingênuos em abandonar a FIFUSA e todos somos responsáveis, dirigentes, treinadores, atletas, vislumbrados então com a perspectiva de que dentro da FIFA, todos lucraríamos. Mas persistir no erro depois de 21 anos desperdiçados, seria muita falta de coragem. Os dirigentes de nosso esporte são os senhores, como o Sr Aécio Borba e Vicente Piazza e outros, e não os senhores do futebol 11, então digníssimo presidente da Confederação Brasileira, defenda o nosso esporte e o seu esporte, desses senhores que se apoderaram de algo que não lhes pertence. A Liga Nacional da Espanha já mostra sinais, mandando recados, que desejam liberdade. Alem de muitos outros países de dentro da FIFA e fora de seu controle, como a Associação Mundial de Futebol de Salão. É momento então de sentarem-se e conversarem e buscar-mos nosso destino...que passa por ser um esporte de inclusão
social, formativo, que deixou de ser desde que resolvemos abandonar o caminho que Deus nos tinha preparado. Retornemos pois.
Agradeço a todos e por favor não se omitam, precisamos dos salonistas de coração, mais uma vez obrigado.
Zego

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